UNO E DÍADE

Toda a filosofia anterior a Platão é penetrada pela convicção básica de que explicar significa unificar. Este discurso sustenta todos os físicos, que procedem à explicação da multiplicidade dos fenômenos referentes ao cosmo reduzindo-a, justamente, à unidade de um princípio ou de alguns princípios unitariamente concebidos. Nas doutrinas dos eleatas, os quais resolvem na unidade a totalidade do ser, desembocando num verdadeiro e próprio monismo radical. Esta concicção sustenta o discurso socrático. No âmbito da ética todas as complexas manifestações que caracterizam a vida moral e política eram reduzidas à unidade da virtude, por sua vez, reduzida à ciência.
A doutrina das Idéias de Platão nasceu exatamente de uma convicção análoga e de uma acentuação notável da importância da visão sinótica, na qual vai terminar a operação metódica da “unificação” do múltiplo que se pretende explicar. A pluralidade das coisas sensíveis se explica exatamente por meio da redução sinótica à unidade da Ideias correspondente. A teoria das Ideias dá origem a uma ulterior pluralidade, embora situada no novo plano metafísico do inteligível. É evidente que a multiplicidade sensível resolve-se e simplifica-se nas Ideias inteligíveis; mas a multiplicidade inteligível, por sua vez, não se resolve por si mesma. Platão admite Ideias não somente para aquelas coisas que realmente chamamos substanciais, mas também para todas as qualidades e para todos os aspectos das coisas que podem ser reunidos sinoticamente, de tal sorte que o pluralismo do mundo das Ideias mostra-se verdadeiramente notável, como Aristóteles já afirmava. A teoria das Ideias não poderia constituir o nível de explicação última. O “múltiplo” sensível se explica com um “múltiplo” inteligível; mas este por sua vez, exatamente enquanto “múltiplo”, exige uma explicação ulterior; em conseqüência, impõe-se a necessidade da elevação a um segundo nível de fundamentação metafísica. Platão julgou que o primeiro nível de fundação metafísica fosse suficiente uma vez que, de posse da teoria das Ideias, as várias doutrinas que ele confiava aos escritos estavam suficientemente justificadas.
O raciocínio que sustenta a duplicidade de nível da fundamentação metafísica é: como a esfera do múltiplo sensível depende da esfera das Ideias, analogamente, a esfera da multiplicidade das Idéias depende de uma esfera ulterior de realidade da qual as Ideias derivam, e essa é a esfera primeira e suprema em sentido absoluto. Essa esfera é constituída, portanto, pelos primeiros Princípios (que são o Uno e a Díade indefinida).
Essa doutrina contém a fundamentação última porque explica quais sejam os Princípios dos quais procedem as Ideias (que, por sua vez, explicam o resto das coisas) e fornece a explicação da totalidade das coisas que são. É claro, pois, em que sentido a ontologia das Ideias e a protologia ou teoria dos Princípios constituam dois níveis distintos de fundamentação, dois planos sucessivos da investigação metafísica, isto é, dois estágios da “segunda navegação”.
A novidade que Platão traz no nível da protologia reside justamente nessa tentativa de “justificação” radical e última da multiplicidade em geral em função dos Princípios do Uno e da Díade indefinida, e da sua estrutura bipolar.
A “Díade” ou “Dualidade indeterminada” não é, obviamente, o número dois, assim como o Uno, no sentido de Princípio, não é o número um. Esses princípios têm estrutura metafísica e são, pois, metamatemáticos. “Díade” é Princípio e raiz da multiplicidade dos seres. Ela é pensada como dualidade de grande-e-pequeno no sentido de que é infinita grandeza e infinita pequenez, enquanto tendência ao infinitamente grande e ao infinitamente pequeno. É justamente em razão dessa duplicidade de direção (infinitamente grande e infinitamente pequeno) que é chamada “Díade infinita” ou “indefinida”, também como dualidade do muito – e - pouco, do mais – e - menos, do maior – e - menor, e como desigualdade estrutural. A Díade é uma espécie de “matéria Inteligível”, ao menos nos níveis mais alto (isto é, com exclusão da esfera cosmológica, na qual a Díade torna-se matéria sensível). Ela é o Princípio de pluralidade horizontal, é também Princípio da gradação hierárquica do real. Resolve-se o problema do qual partimos desse modo: a pluralidade, a diferença, e a gradação dos entes nascem da ação do Uno que determina o Princípio oposto da Díade, que é uma multiplicidade indeterminada. Os dois são, pois, igualmente originários. O Uno não teria eficácia produtiva sem a Díade, mesmo sendo hierarquicamente superior à Díade. Podemos dizer que seria em si mesmo inexato falar de dois Princípios se dois fosse compreendido em sentido aritmético.  
Jaciel Dias de Andrade
jaciel6@yahoo.com.br

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