QUARESMA: UM GRANDE RETIRO

No artigo anterior fiz uma explanação geral do Ano Litúrgico. No presente texto irei abordar mais especificamente o Tempo da Quaresma.
Como o Cristo realizou a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus principalmente pelo seu mistério pascal, quando morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando renovou a vida, o sagrado Tríduo pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor resplandece como ápice de todo o ano litúrgico. Portanto, a solenidade da Páscoa goza no ano litúrgico a mesma culminância do domingo em relação à semana.
O dom da vida nova, que foi celebrado pelo mergulho no Mistério Pascal, no dia do nosso batismo, muda radicalmente a nossa atitude em relação a todas as coisas. Mas, imersos em nossas ocupações cotidianas, facilmente nos esquecemos de quem no tornamos. Eis porque a Festa da Páscoa é retorno anual ao nosso batismo.
A Quaresma é, então, o grande retiro anual da Igreja, desde a Quarta-feira de Cinzas, para preparar a páscoa. Prolonga-se por seis semanas, terminando na Quinta-Feira Santa. “A Igreja se une todos os anos, durante quarenta dias de quaresma, ao mistério de Jesus no deserto”. É o tempo de preparação para a maior festa dos cristãos.
Começa em um dia da semana, a Quarta-feira de Cinzas, cuja data é móvel, dependendo da data de celebração da Páscoa, e termina na Quinta-feira Santa, antes da missa da Ceia do Senhor. Possui seis domingos; o sexto se chama Domingo de Ramos na Paixão do Senhor, e com ele começa a Semana Santa.
A Quarta-feira de Cinzas é, junto com a Sexta-feira Santa, um dia de jejum, e a quaresma inteira, um tempo de conversão e penitência. Unir-se a Jesus em seus quarenta dias de deserto é, para a Igreja e cada cristão, uma oportunidade anual de entrar no íntimo do próprio coração para renovar-se na fé e no compromisso com o Evangelho. A cor roxa e o silêncio do “Aleluia”, louvação pascal, são dois símbolos que acompanham esse tempo até seu término, na missa da Ceia do Senhor durante a Quinta-feira Santa.
Durante esse tempo, ganha importância especial a preparação final dos catecúmenos que recebem os sacramentos da iniciação na Vigília Pascal. O itinerário de leituras da missa do ano A é batismal exatamente para acompanhar a catequese pré-sacramental dos catecúmenos e introduzir todos os cristãos no clima da renovação das promessas batismais que se realizará dentro da Vigília Pascal.
Estruturada à luz do simbolismo bíblico dos “quarenta dias”, a quaresma é considerada tempo de purificação e iluminação para os catecúmenos eleitos para o batismo e “sacramento” de conversão e renovação para os batizados. “Por sua dupla característica [batismal e penitencial] reúne catecúmenos e fiéis na celebração do mistério pascal”, sendo um tempo de “recolhimento espiritual” (RICA, 152) para ambos, preparação para a grande celebração da Páscoa.
Características desse “tempo de graça” são as práticas penitenciais, por excelência, da oração, do jejum e da esmola, palavras que hoje soam arcaicas a muitos ouvidos, mas que podemos traduzir por cultivo intenso e empenhado da espiritualidade cristã, que nos motiva para o seguimento apaixonado d´aquele que nos convida a tomar a cruz do amor maior; do autocontrole, que nos libera para a disponibilidade e entrega de nossas vidas a serviço dor irmãos e irmãs; da solidariedade, sobretudo, com os mais precisados. É nesse contexto e com esse espírito que participamos do canto do Ofício da Quaresma, da Via Sacra e, sobretudo, da Eucaristia dominical; que nos propomos a renunciar a gostos e comodidades do dia-a-dia; que nos dedicamos à Campanha da Fraternidade. Dessa forma, o exercício da penitência prescrito pela Igreja, expressa a nossa busca de crescimento espiritual: retiramo-nos de algumas coisas para poder experimentar outras com maior profundidade. São Bento sugere que cada um recuse a seu corpo alguma coisa da comida, da bebida, do sono, das conversas, das brincadeiras, e na alegria do desejo espiritual, espere a santa Páscoa.
Na manhã da Quinta-feira Santa, celebra-se a missa crismal na qual o bispo abençoa os óleos que serão utilizados nos sacramentos do batismo, da confirmação e da unção dos enfermos. É a última celebração do tempo da quaresma, antes de começar o tríduo pascal.
Após refletir sobre o Tempo da Quaresma, falta nos, para concluir o Ciclo da Páscoa, a Semana Santa e o Tempo Pascal, que será o tema do próximo artigo.


Jaciel Dias de Andrade
Seminarista do 1° ano de Teologia
Membro da Equipe Diocesana de Liturgia da Diocese de Guanhães – MG
Bibliografia Básica
Manual de Liturgia, CELAM, vol. IV: a celebração do mistério pascal: outras expressões celebrativas do mistério Pascal e a liturgia na vida da Igreja. Trad. Herman Hebert Watzlawich. SP: Paulus, 2007.



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